sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

My Mad Fat Diary: Season 1



 Rae enfrenta o mundo.

Há algum tempo o canal britânico E4 vem criando boas séries para agradar ao público jovem. Todas contém elenco descolado, trilha sonora escolhida a dedo e muitas loucuras no roteiro, mas nenhuma delas jamais foi tão feliz quando a produção de My Mad Fat Diary, que reúne as qualidades essenciais das séries do canal, mas vai muito além do que as outras séries do canal são capazes de ir. My Mad Fat Diary é uma mistura perfeita entre drama e comédia. Apresenta, de forma divertida, situações constrangedoras, mas não perde a mão na piada em momento algum. Quando o assunto é sério, emociona. Os personagens são cativantes. A edição é atenciosa.

É muito fácil devorar os seis episódios da primeira temporada. Facílimo. Fico feliz por só ter descoberto o quanto a série era boa no dia em que o episódio final foi ao ar, caso contrário, sofreria com os dias de espera. Quando você entra de cabeça no mundo caótico de Rae, sair dali sem saber o que acontece em seguida não é mais uma opção. Podem acreditar.

A história de My Mad Fat Diary se passa na década de 1990 (em 1996, mais exatamente). É simples (mas complicada, como todo adolescente) e se baseia num livro de nome idêntico, que narra as desventuras de Rae Earl (Sharon Rooney), a garota gorda e cheia de neuras que, aos 16 anos, surta e tenta suicídio. Parece triste (e é), mas o tema não é levado de forma depressiva. Chega a ser estranho dizer isso, mas a verdade é que, em nenhum momento, mesmo nos mais emocionais e reveladores, a gente sente como se aquilo fosse pesado demais. Provavelmente é o efeito da narrativa e dos efeitos visuais, que transformam tudo numa das páginas do diário de Rae. Diário, aliás, que ela escreve como forma de terapia, depois de passar três meses num hospital psiquiátrico, até que fosse seguro voltar ao mundo real.

Essa é a grande aventura de Rae. Enfrentar o mundo novamente, superar medos e inseguranças, encarar desafios e humilhações e não sucumbir. Às vezes ela chega perto disso, mas na maioria das vezes transpõem obstáculos e transforma tudo numa experiência positiva. E não é fácil, porque Rae morre de medo de ser rejeitada e tem uma bagagem emocional que muitos adultos não seriam capazes de carregar.

O fato de ser gorda a define e ela odeia isso. A sequência mais memorável e pontual é, provavelmente, aquela em que vemos a protagonista despir-se de si mesma. Ela abre o zíper e retira a capa de gordura e ali, Rae é apenas Rae, longe do estereótipo e dos julgamentos. Embora esse não seja o foco principal, a relação de Rae com a comida também aparece aqui e ali, mas o contraponto mais interessante vem de Tix (Sophie Wright), a amiga que ela conhece no hospital e sofre de anorexia. As duas são absolutamente opostas, física e emocionalmente, mas se encaixam muito bem e dividem aflições.

Fora da segurança do hospital, Rae tem um objetivo: fazer amigos (e arranjar um namorado, porque não?). Afastada da cidade e de Chloe (Jodie Comer), sua amiga de infância que não faz a menor ideia do que se passou meses antes, Rae começa se infiltrar no grupo do qual Chloe agora faz parte, muito embora a garota tente evitar essa inclusão e marque território o tempo todo.

Aos poucos vamos entendendo essa rivalidade. Porque Rae inveja o corpo esbelto de Chloe e sua proximidade com os garotos, mas não enxerga que sua pretensa melhor amiga é quem mais teme. A presença de Rae une ainda mais o grupo e ela se torna o centro das atenções, já que, por algum motivo, todos veem nela um porto seguro, alguém para realmente conversar e desabafar, se for o caso.
 

Para sua própria surpresa, Rae se trona muito próxima dos garotos e desenvolve com eles variadas relações. Com Chop (Jordan Murphy) tudo é diversão e descontração, com Archie (Dan Cohen) existem confidências e muita confusão sexual e com Finn (Nico Mirallegro) há uma forte tensão e distância, que vão se dissolvendo quando notamos que, na verdade, ele está mais interessado em Rae do que ela ou qualquer outra pessoa possa notar. A construção da relação desses dois é linda de acompanhar. Os pensamentos dela estão sempre estampados mas os dele temos de interpretar pelos gestos e olhares, o que é muito mais interessante do que a obviedade de um texto comum.

E já que estamos falando no texto da série, vale ressaltar que são preciosas as cenas em que Rae está na terapia. Cada surto dela e cada diálogo com Keser (Ian Hart), o psicólogo, são reveladores e fazem pensar. É também muito bom o modo como vemos a vida familiar de Rae com a mãe (Claire Rushbrooke) e o novo marido dela. Tudo começa estranho e julgamos a mãe pela visão parcial da filha, mas a mágica é conhecer suas motivações aos poucos. A relação das duas é ridiculamente normal, cheia de conflitos, mas essencial para compreender quem é Rae e porque ela chegou a seu limite.

De certa forma, a série fala de preconceitos. Os dos outros e os que Rae criou sobre si mesma. A sexualidade também fica em alta com as fantasias da protagonista, seus desejos e insatisfações. Não é como se Rae esperasse por um príncipe encantado. Ela quer uma relação normal, se sentir desejada e aqui, ela é sua maior inimiga. Em determinado momento, a terapia propõe que ela se olhe no espelho e observe suas qualidades e as diga em voz alta. Ela se recusa e começa até mentindo, mas isso já significa que ela deu um passo adiante para fortificar a autoestima.

O grande trunfo de My Mad Fat Diary, além das boas escolhas para o elenco, é a trilha sonora, sempre perfeita e providencial. Muitas das canções escolhidas descrevem situações e sentimentos ou transportam o espectador para um humor específico. Também não dá para não elogiar os roteiros escritos por Tom Bidwell e a direção acertada de Tim Kirkby e Benjamin Caron.

A boa notícia, para aqueles que já viram e se viciaram (ou para aqueles que ainda pretendem assistir) é que, diante do grande sucesso, a série já foi renovada, embora não haja, ainda, previsão de lançamento para a Season 2. A julgar pela falta de informações e pela estrutura do site oficial, dá para perceber que a aceitação de My Mad Fat Diary foi uma surpresa para o canal, que não deve ter achado que uma adolescente acima do peso chamaria a atenção. É bom saber que ainda há espaço para o que é novo e diferente na TV.
Comentários
7 Comentários

7 comentários:

Jeferson Huffermann disse...

A melhor surpresa desses últimos tempos. Adorei como no seu texto realmente destacou aquilo que a série tem melhor, de como possui os elemento característicos do E4 somados a um bom roteiro e sensibilidade. Li uma review inglesa que fazia o contrário, assumia esses pontos como negativos, tentando mostrar que não se trata de algo tão revolucionário e transgressor (como se isso fosse indicador de qualidade).

Em My Mad Fat Diary é tudo tão bem feito. Rae é retratada sem pudores ou restrições, da insegurança à hipersexualidade de maneira que nos sentimos lendo um diário com seus pensamentos e emoções mais profundos.Os próprios personagens refletem a sua visão, como Finn. Outro ponto positivo é sua relação com Tix, que além de muito bem interpretado, no início já se mostra uma personagem complexa, e evolui ainda mais na trama.

Muito amor por MMFD ♥

vitor souza disse...

Camis, que bom que você decidiu resenhar a série! Gostei muito da sua review e da sua análise sobre o tema da série. My Mad Fat Diary foi uma grata surpresa.. o grande defeito é que 6 episódios é pouco demais! Agora é ficar sofrendo até a segunda temproada...

joanalia ferreira disse...

Review perfeita. Quem não assistiu a série e ler seu texto se interessará, com certeza.
A série é maravilhosa, comecei a ver, não consegui parar. Tenho uma filha de 12 anos e também gordinha, então, me identifico muito. Já chorei num sei quantas vezes. Realmente como você disse a qualidade da série é primorosa. Na verdade, to achando que nesse quesito, os ingleses estão ganhando dos americanos. Até mais.

Renan disse...

Descobri My Mad Fat Diary também no season finale e durante uma madrugada de insônia fiz uma maratona - os seis episódios de uma só vez. Posso dizer com a boca cheia que se tratou de umas das horas mais bem gastas da minha vida em relação a seriados.

Me identifiquei demais com Rae e seus conflitos internos. A narrativa é ágil e te prende de uma forma surreal, como se a protagonista conversasse com você. As confidências da mesma te aproximam de uma forma divertidíssima, como se a tivessemos conhecido quando criança.

Mal posso esperar por uma segunda temporada e espero que seja tão boa quanto essa. É claro que uma mudança ou outra acontecerá agora que uma nova dinâmica foi estabelecida, mas julgando pelo ótimo roteiro dessa primeira, esperar uma ótima segunda, não é superestimar. Nem um pouco.

Cecilia Carvalho disse...

Essa série chamou a minha atenção pelo nome, daí procurei saber mais sobre e me deparei com sua review. Vi os dois primeiros episódios e já posso me dizer viciada, não sei se é pela qualidade da série ou pela identificação, talvez pelos dois. Só quem foi gordinha na adolescencia sabe o território hostil que é o mundo, as vezes é até doloroso se identificar tanto em alguns momentos. Está tudo ali, os constrangimentos, a amiga bonita no padrão com a sua relação passiva-agressiva e por fim um meio de ser aceita que é sendo a pessoa legal q ouve e aconselha todo mundo.

Eita quase uma psicanalise esse comentário, mas enfim a serie é excelente, ainda bem que foi renovada.

Thiago disse...

Comecei a ver essa série nessa semana, e só digo uma coisa: PRECISO da season 2!!!!
Adorei a história, adorei os personagens e a dinâmica da série. Tudo é tipo, perfeito. Acho que não consigo apontar defeitos.
Enfim, aguardando ansiosamente o lançamento da próxima temporada. Só espero que não demore muito. =s

Mari Medeiros disse...

tem como alguem me mandar o link de onde eu posso assistir ou baixar?! Obrigada.