Missão cumprida.
Há sete anos pegamos
carona na garupa de um clube de motoqueiros e, depois de uma longa jornada,
chegamos ao final dessa incrível saga, que nos levou por caminhos violentos,
sombrios e cheios de drama. O curioso é perceber que sempre soubemos que as
coisas seriam bem encaminhadas. Pelo menos essa é minha experiência com Sons Of
Anarchy.
Rapidamente aprendi a
confiar em Kurt Sutter, talvez porque ele sempre tenha dito que havia planejado
a história e os desenvolvimentos eram notáveis. Mesmo quando não gostei de
alguns rumos, eu sabia que para tudo existia um porquê. E é exatamente isso que
constatamos agora. Uma série planejada, coerente e fiel às suas origens e
intenções, uma série emocionante como poucas e com uma qualidade
inquestionável.
Sons Of Anarchy chega a
seu último episódio sendo praticamente ignorada por “premiações conceituadas”,
mas afinal, quem tem o costume de acompanhar o universo televisivo sabe que
prêmios não definem o quanto uma produção pode ser boa e amada pelo público.
Assim como outros grandes shows, SOA fica consagrada por quem aproveitou cada
pedacinho dessa trama ao longo dos anos e também por aqueles que aceleraram
bastante as maratonas para chegar junto com quem já acompanhava.
Uma
das maiores vantagens que ganhei com a série foi a capacidade de mergulhar num
universo tão diferente de tudo que conheço. Não que isso seja exclusivo de SOA,
mas somente boa televisão (e boa literatura e bom cinema) são capazes de
transportar o espectador a uma experiência que vai além do assistir. Com Sons
Of Anarchy nó todos fomos parte do clube, nós todos pegamos nossos motos e saímos
por aí, com o vento batendo no rosto, sem medo de morrer.
Por tudo isso, não dá para
não sentir aquela ponta de tristeza com a Series Finale. Episódio bom, cheio de
mensagens e significados que esperamos tanto para alcançar. Um episódio onde
vimos os caras mais durões chorarem feito meninos, dizerem “eu te amo” com
sinceridade e dizerem – junto com todos nós – adeus a tudo que SAMCRO
representa.
Tudo o que precisava ser
dito foi dito. Não há assuntos mal resolvidos em Sons Of Anarchy e o roteiro é
capaz de costurar os elementos que estavam lá nas primeiras temporadas e fazer
cada pedacinho encaixar para que Jax, enfim, cumprisse sua missão. Há tempos os
escritos de John Teller eram mais memórias do que uma trama palpável e nesses
anos todos, ficamos sempre tentando entender o que esse homem queria fazer de
verdade. O que era essa utopia sobre o clube que ele tanto pregava.
O termo “utopia”, aliás,
cabe bem. Os ideais de JT eram inalcançáveis e continuam sendo, mesmo após as
ações de Jax. Não estamos falando de personagens unidimensionais aqui. O bem e
o mal existem em cada membro do clube. Eles são criminosos, sem dúvida, mas
existe o lado da família, do companheirismo, da fidelidade. O que Jax faz é
limpar a própria bagunça e ir um pouco além. Jax limpa a bagunça de sua
família, ao longo de tanto tempo de mentiras.
Jax é o centro das
atenções nessa Finale. Sereno como nunca esteve antes. Ciente de que tinha um
papel a cumprir e que nada viria sem sacrifício. Sou fã de Charlie Hunnan e aplaudo
o trabalho dele na série e no episódio. Desde o momento em que descobre sobre a
morte de Tara ele ganha outro ar e trilha seu caminho sem receio.
Quando ele diz que “todos
os vilões vão morrer” Jax não está se excluindo e foi ali que eu soube que o
final que imaginei era, de fato, inevitável. Nunca fui capaz de ver Jax sobrevivendo
a tudo isso e ele mesmo sabe que não poderia ser de outra maneira. É por isso
que, embora triste, aquele momento é precioso e necessário. Jax não teve uma
morte sem significado e seu sacrifício é também uma libertação, que ele
encontra de braços abertos.
Essa certeza de que sua
vida tinha um propósito é que o move Jax em cada articulação final. Engraçado
pensar que, lá no começo, os Mayans era inimigos ferrenhos e que agora, terminam
como aliados e peças chave no plano de manter a ordem na cidade. O assassinatos
dos reis do IRA foi algo que assisti com gosto. Torci muito para que fossem
dizimados desde a primeira vez que deram as caras na série e Jax não deixa por
menos. Ninguém sobrevive depois de matá-los? Pode ser. Mas Jax nunca planejou
ficar vivo para ver o que viria depois.
O acerto de contas com Barosky
foi rápido e sem meias palavras. A emboscada para August também, com um Jax
muito parecido com o ceifador. Aliás, o ceifador que sempre apareceu em
momentos estratégicos e era mais do que um símbolo cravado na mesa do clube e
nas tatuagens tão marcantes. O ceifador ou a morte sempre rondaram esses
personagens na forma mais inesperada: a de uma mendiga. Não existe disfarce
melhor para a morte do que uma criatura que é invisível aos olhos da maioria
maciça dos homens.
Para lembrar de duas
recentes aparições do ceifador, basta olhar o penúltimo episódio, quando a
mendiga passa por Gemma no estacionamento de caminhões. Ela também aparece com
um garfo em mãos, na época da morte de Tara e os significados não param por aí.
O pão e o vinho, numa
leitura do viés religioso, significam, respectivamente “dar o corpo em favor de
algo ou alguém” e o “sangue derramado em favor de algo ou alguém”. Aqui, portanto,
o pão e o vinho são uma metáfora do sacrifício de Jax, que doa tudo de si para
salvar o que mais ama: sua família, representada pelo clube e pelos filhos.
Filhos que, depois de tudo isso, ainda podem ter o mesmo destino, vale a
lembrança. Abel era a “esperança” de Gemma para manter os Teller na liderança
do clube e o anel nas mãos do pequeno não passa incólume.
Uma das sequencias mais
tristes é de Jax abrindo o jogo com Nero e confiando a ele o futuro de Abel e
Thomas, junto de Wendy. Foi uma despedida para nos fazer chorar, principalmente
porque essa foi a primeira vez em que Jax agiu para salvar os meninos. “Eles
devem saber que eu era um criminoso”. Wendy tem a função de fazer o que Gemma
jamais faria: parar com a glamorização da vida bandida e afastá-los de vez do
futuro que Tara temia que acontecesse.
Com o clube a emoção não
foi menor. Chibs assume a presidência a contragosto enquanto Jax prepara o
terreno para que os Sons sejam mais abertos, com a admissão de negros, o que
ele firma com a chegada de T.O. Esse era um tabu, que inclusive, amedronta
Juice por um longo tempo. Jaz deixa um clube melhor, de certa forma. Um clube
que começa a ganhar vida depois de tantas e tantas perdas trágicas.
Não podemos esquecer de Opie, Bobby, Piney e
do homem que amamos odiar por tanto tempo: Clay. Sem eles, a série não teria
sido a mesma. . Sons Of Anarchy não seria a mesma sem as mulheres. Sem Gemma e
seu reinado com mãos de ferro. Sem Tara e seu instinto materno. Sem cada morte,
sem cada tiro, explosão, sem cada momento de agonia e tensão, sem cada momento
de tortura e paixão. Sem a crueza das relações, sem a estupidez dos homens da
lei e a ousadia dos que assumiram a vida de crimes, vestindo um colete de couro,
vivendo um dia de cada vez, enquanto pilotam uma moto estrada a fora.
P.S*Confesso ter achado os
efeitos ou “defeitos especiais” desnecessários. Preferia que tivessem optado
por algo mais simples, mas isso não é motivo para criticar um episódio tão bem
escrito.
P.S*Sentirei saudade dessa
trilha sonora incrível.
P.S* Mais um adeus por
aqui e meu agradecimento por todos esses anos em que acompanhamos Sons Of
Anarchy lado a lado.