Sobre homens e máquinas.
Criada e produzida por J.H.
Wyman, Almost Human, da Fox, se transformou rapidamente na grande esperança dos
fãs de séries de ficção científica, num ano em que esse tipo de produção ficou
praticamente esquecida. Obviamente, junto com a estreia vem a preocupação sobre
a durabilidade da série. Sabemos que o público alvo para essa temática é
bastante reduzido, o que pode gerar “certos problemas”. No entanto, como a
coisa está apenas começando, o importante é falar da qualidade e das
possibilidades dessa nova série, que já exibiu dois episódios bastante
animadores, em que trama, elenco, trilha sonora e efeitos especiais foram um
verdadeiro exemplo, embora o sentimento inicial sobre a série não seja de
completa loucura ou paixão alucinada. Devo acrescentar a isso que foram raras
as vezes em que esse tipo de reação aconteceu com o Piloto de uma série de
ficção cientifica, pois nesse gênero o apego é algo construído cuidadosamente
pelo desenvolvimento de uma trama eloquente e de personagens carismáticos.
A primeira coisa - e talvez a
mais importante – a se dizer sobre Almost Human é que ela vai se alimentar de
uma fonte inesgotável de boas ideias em sci-fi. Direi apenas duas palavras:
Isaac Asimov. Quando eu junto essas duas palavrinhas mágicas com as iniciais
JHW, não nego, crio alguma expectativa sobre coisa boa surgindo. Wyman é um dos
poucos nomes da TV atual que tem provado que é possível escrever roteiros
inteligentes e complexos sem deixar de lado o fator emocional.
Quando penso nos trabalhos de
Asimov também fico empolgada, pois suas obras, quando bem utilizadas, produzem
materiais incríveis. Para falar apenas da temática de Almost Human, que tem
foco em robôs ou androides com interface humana, podemos citar aqui dezenas de
contos que podem ser encontrados em coletâneas como Robot Visions, Robot Dreams
ou The Complete Robot. E tem robôs de para todo gosto, com forma humanoide ou
não, em histórias bem famosas e que viraram até filmes, como Eu, Robô ou O
Homem Bicentenário.
Em sua obra, Asimov coloca em pauta as
relações entre humanos e máquinas e é exatamente disso que Almost Human trata.
É exatamente disso e J.H.Wyman quer falar em sua série e, para tal, ele
investiu pesado na criação de um universo futurista não muito distante. O ano é
2046 e o cenário é de uma tecnologia impressionante. Um mundo onde o grande
desenvolvimento também fez crescer a incidência de organizações criminosas, que
não poupam quando o assunto é utilizar os avanços da ciência em nome de
interesses escusos. É também um cenário que me lembra de outra obra
interessante: Do Androids Dream Of Eletric Sheep?. O livro é de Philip K.Dick e
a obra deu origem ao excelente filme Blade Runner, que também parece ser uma
inspiração para Almost Human, especialmente no tocante às grandes corporações
que comandam a produção de androides.
Com uma base bastante rica, como
é possível notar, a trama é apresentada de forma objetiva. Na Delta Division a
nova ordem é de que os detetives sempre andem acompanhados por um parceiro
robótico. E os modelos como o MX-43 são modernos e capazes de avaliar friamente
as situações de vida ou morte, o que logo se mostra um grande problema. Pelo
menos para o detetive John Kennex (Karl Urban), que ficou 17 meses em coma após
uma emboscada armada pela estranha e ainda misteriosa Insyndicate, ligada ao
primeiro caso apresentado e obviamente ao arco central que será desenvolvido
durante a temporada. Por enquanto, o que sabemos é muito pouco, portanto vale a
pena ficar de olho nos elementos que nos levam até os membros e intenções desse
pessoal. E já podemos incluir a majestosa ex-namorada de Kennex na lista.
Depois de perder o parceiro, uma
perna e do coma, Kennex deve superar traumas e voltar à ativa. Está obcecado
com a emboscada e tentando fugir do trabalho, mas não há saída. Sua chefe, a
capitã Sandra Maldonado (Lili Taylor) não é do tipo que vai deixar seu melhor
detetive se afundar em depressão e assim, o coloca de volta na equipe,
permitindo até que ele “troque” de parceiro, depois que seu MX-43
ACIDENTALMENTE cai do carro em movimento.
É aí que somos apresentados a
Dorian (Michael Ealy), um robô diferente, com um software que o faz sentir e
agir por instinto. De fato, Dorian é quase humano, como diz o título da série
e, embora seja muito diferente dos MX-43, consegue imprimir que também é um
robô. Seu defeito, como todos cansam de repetir, é o elemento chave para que a
parceria com Kennex funcione.
Aliás, é bom notar que a conexão entre
os dois é rápida e sem enrolação. Temos o básico de Kennex sendo chato e
dizendo que detesta androides, enquanto ofende o pobre Dorian, mas isso logo dá
lugar ao bromance dos dois, com provocações e momentos ótimos em que Dorian faz
piadinhas e monta perfis em sites de relacionamento para o colega que está com “as
bolas inchadas”. Não nego que adorei a interação dos atores e que esse é grande
trunfo para a série.
Dorian traz muitas reflexões sobre
humanidade. Ele clama por respeito e consideração e conquista essa condição
humana aos olhos de Kennex. Quando John o chama de “cara” é que vemos a
divisão. Dorian deixou de ser máquina e se tornou um parceiro de verdade. Quase
como um Pinóquio de metal. Um dos melhores diálogos estava no segundo episódio,
quando Dorian questiona sobre o que dizer a uma criança pequena que acaba de
perder a mãe. Mais no fim do episódio ele compreende essa viés dos seres
humanos e usa o consolo do “lugar melhor” para a sexbot com pele humana que
estava sendo desligada.
“Skin”, inclusive, levanta um
assunto que deve ser bem desenvolvido, com a união de máquinas e material
genético humano. A mistura é proibida e se é proibida deve estar sendo
produzida por alguma grande corporação com interesses perigosos. É interessante
o fato de que as sexbots fizeram diminuir os crimes sexuais. Fiquei intrigada
com essa observação que só mostra que, de certa forma, é exatamente isso que
muitos homens esperam que as mulheres sejam: máquinas de fazer sexo,
descartáveis. Prontas para a função, para ouvir, mas com um texto decorado e “personalidade”
servil.
Falando em mulheres, a detetive Valerie
Stahl (Minka Kelly) foi uma grata surpresa. É interessante que exista algo
entre ela e Kennex e isso não seja um tabu ou algo muito complicado. Kennex,
aliás, fica hilário ao notar que gosta da colega e parece um bobalhão, o que
não escapa às observações de Dorian.
Também precisamos destacar a
figura de Rudy (Mackenzie Crook) o nerd de plantão que sabe tudo de ciência e
só não é melhor que os androides porque isso é quase impossível. As observações
dele no laboratório foram ótimas e gostei de ver que ele ficou nervoso na
presença da sexbot, considerando-a como uma mulher real, apesar do texto
decorado que ela insistia em repetir. Acho que função de Richard Paul (Michael
Irby) é apenas a de ser o babaca dos episódios, mas claro, esse é apenas o
começo e logo ele deve ganhar mais do que duas falas cheias de idiotice.
Minha impressão final é de que
Almost Human é uma série que vale acompanhar. Dois episódios sólidos, bem
escritos, bem desenvolvidos e com feitos visuais impressionantes. Cenários
impecáveis e que exalam modernidade e os androides são cheios de detalhes muito
legais e que, além de serem trabalhosos, são caros de manter. Confesso que não
esperava nada menos da ambientação e que fiquei muito feliz em perceber a
trilha sonora. Tons perfeitos e com clima de aventura nas cenas de ação.
Os personagens, logo de cara
cativam. Especialmente Dorian e Kennex, mas a coisa fluiu bem de forma geral. A
trama, que ainda tem muita coisa para introduzir chamou minha atenção e pretendo
continuar com Almost Human, pelo menos por um tempinho. Parece apenas justo dar
essa chance à equipe de Fringe (vejam só, consegui só citar Fringe no parágrafo
final!) nesse novo projeto. Além de Wyman há outros nomes envolvidos na direção
e produção, como Michael Offer e J.J Abrams que, honestamente, não tem lá minha
confiança, mas é um nome que empresta força à produção e, sejamos honestos,
traz algum público para a série.