Se você não é um Browncoat é porque ainda não teve a chance de ver Firefly.
Vez ou outra, a TV nos presenteia com produções de alto nível. História interessante, bons atores, personagens carismáticos... Ingredientes básicos para uma receita de sucesso, afinal de contas. Firefly, série que foi ao ar entre 2002 e 2003, tem tudo isso, mas não vai além dos 14 episódios e um filme, que veio dois anos depois do cancelamento para fechar a trama. Não pense, no entanto, que essa não é uma série de sucesso e que não vale a pena assisti-la. É justamente o contrário. Firefly tem fãs fieis até hoje e continua ganhando seguidores, como é meu caso.
Mas então, você se pergunta, porque a série não foi além? A resposta é simples e nada chocante. Se você é fã de Fringe ou de outras produções já encerradas cruelmente pela FOX, pode compreender bem do que estou falando. Ao que tudo indica, os executivos da emissora não sabem nada sobre o que é fazer televisão.
Quando digo isso, pode parecer coisa de fã xiita de Ficção Científica (e é), mas eu sei colocar as coisas na balança. Eu entendo todo o lance do dinheiro, da audiência, dos lucros. De verdade. Só que depois de assistir a essa curta temporada, aos extras de DVD, ao filme e até um documentário, fica difícil não defender Firefly, especificamente, porque a FOX errou com a série desde que colocou as mãos nos primeiros textos do criador e produtor Joss Whedon.
Para se ter ideia, o Piloto original – que se chamaria Serenity e teria 2 horas de duração- foi vetado, porque os executivos da emissora queriam pular direto para a ação, sem que os personagens fossem propriamente apresentados antes e sem que o telespectador pudesse compreender o cenário geral em que estaria envolvido a partir dali.
Por esse motivo, eu tive dificuldades em apreciar, pelo menos, os quatro primeiros episódios, o que, fracionando, significa que eu “boiei” durante 1/3 da série. Complicado. Eu sou uma dessas pessoas que acredita na importância dessa introdução, porque é uma base sólida que garante o retorno das audiências. Se eu entendo, gosto e fico intrigada, volto para ver. É uma premissa absolutamente básica.
Imaginem, então, que se eu, que assisti Firefly em maratona e sob as melhores e mais confiáveis recomendações, tive essa dificuldade, porque o público da época não sentiria o mesmo e mudaria de canal? Em suma, é como se a própria FOX tivesse matado a série antes mesmo de exibir seu primeiro episódio, tirando de nós a chance de conhecer melhor esse universo novo, com uma mistura entre novo e velho, tecnologia e western.
Pode parecer estranho e é, mas o mundo de Firefly funciona. Alguns vão dizer que é muito parecido com o que George Lucas fez em Star Wars e essas pessoas não estarão erradas. Whedon, de fato, se inspirou aí para criar o que seria a realidade dos humanos, daqui a 500 anos, quando a Terra já não comporta mais o crescimento populacional e chega o momento de procurar novos planetas para viver e com isso, estabelecer novas relações entre as pessoas e uma ampla forma de governar. No universo de Firefly, somente duas potências sobrevivem e por isso, vemos a intensa mistura cultural resultante das influências da China e dos Estados Unidos. Os personagens, por vezes, falam em mandarim (ou pelo menos, tentam) e mesmo sem qualquer tradução, é possível compreender o significado das falas em cada uma das cenas.
Só por essa apresentação – que eu só tive depois de encerrar a série e partir para filme e extras- já deu para notar o quão complexa seria essa realidade, mas é justamente isso o que fica faltando para o público, quando a FOX bateu o martelo sobre como seriam os episódios. Felizmente, para quem pretende assistir agora, a informação já está aí e serve para motivar.
Entre os personagens principais, temos o Capitão Malcolm - Mal- Reynolds (Nathan Fillion) dono da Firefly Serenity, uma nave de transporte que serve, basicamente, para levar cargas ilegais pelo espaço afora. Mal é uma versão para TV de Han Solo, embora muito menos canalha em diversos aspectos. Ele faz o tipo solitário, fechado e aparentemente frio, mas aos poucos mostra a força de seus valores e do seu afeto pelos tripulantes da Serenity. Mal lutou na guerra – que estabeleceu o governo da Aliança - ao lado dos Independentes e ainda carrega essa mágoa pela derrota. Nesse aspecto (e em muitos outros) ele sempre pode contar com a compreensão de Zoe (Gina Torres), uma mulher forte, que lutou ao lado de Mal e é perita em sobreviver diante do perigo. Ela é casada com Wash (Alan Tudyk), que pilota a Firefly. Na equipe, temos ainda Kaylee (Jewel Staite), a responsável pela mecânica da nave e Jayne (Adam Baldwin), um brucutu sempre pronto para a briga e cheio de desvios de caráter.
A vida dentro da Serenity ganha novas emoções com a adição de Simon (Sean Maher) e River (Summer Glau). Os dois são irmãos e precisam fugir da Aliança, que quer capturar River para continuar suas experiências com o cérebro genial da moça e para evitar o vazamento de um grande segredo. O Pastor Book (Ron Glass) é um religioso fora do comum em diversos aspectos, mas que sempre traz algumas reflexões morais para dentro da trama.
E claro, não podemos deixar de lado Inara (Morena Baccarin), uma acompanhante profissional, que aluga um dos transportes da nave para ir ao encontro de seus clientes. Interessante notar a importância das prostitutas dentro dessa sociedade. Mulheres que estudaram para servir, em todos os aspectos, e que carregam consigo certo glamour pelo trabalho que exercem. Inara, além de ser muito ligada aos acontecimentos dentro da Serenity também vive em constante tensão sexual com Mal, que sempre faz questão de mostrar o quanto desaprova o que Inara faz para viver.
A série, embora curta, consegue nos apresentar muito bem cada um dos personagens e desenvolver de forma até impressionante, a mitologia da série. São piadas recorrentes, situações e aparições sazonais que ajudam a enriquecer ainda mais a narrativa. Sem dúvida, Firefly é uma produção que sabe apostar no humor. Os efeitos, embora ultrapassados em comparação com outras séries de temática parecida mais atuais, também não deixam a desejar. A construção da vida dentro da Firefly é cheia de detalhes e em pouco tempo já enxergamos Serenity como o décimo personagem e passamos a amá-la tanto quanto Mal, sua tripulação e o próprio Whedon, que não esconde de ninguém que Firefly sempre será seu trabalho favorito para a TV. Quem assistir certamente entenderá o porquê.